O presidente do grupo Dourogás, Nuno Moreira, deu uma entrevista ao jornal Público onde discutiu a posição do gás perante a guerra e a importância de se usar os 150 milhões do imposto do carbono para apoiar o hidrogénio.
Como é que esta subida de preços do gás natural tem afetado a vossa atividade enquanto comercializador?
O aumento do custo do gás natural é uma má notícia para todos, porque um produto que é mais verde e produz menos emissões tem condições económicas piores. É notória a pressão que provoca nas atividades económicas dos nossos clientes (empresariais) e também das famílias. Ainda assim, temos conseguido absorver parte do aumento, esperando que possamos ouvir rapidamente boas notícias sobre o fim da guerra.
Tem-se falado na retoma dos projetos de interligações energéticas. No gás, com a terceira interligação a Espanha, em articulação com a ligação Espanha/França, os portugueses terão preços mais baixos?
Com certeza que sim. Mais interligações significam mais liquidez no mercado e melhores condições competitivas. Sempre achamos que teria sido importante ter interligação entre Espanha e França. Estamos prontos para contribuir em termos de volume, quer adquirindo gás em França e trazendo para Portugal em condições competitivas, quer para levar gás de Sines via Espanha para a Europa. Julgamos que é indispensável. E afinal todos descobriram que o gás era uma energia fundamental para a Europa e que a Europa não consegue viver sem gás.
Estamos a ser idealistas ao achar que Sines pode ser a entrada do gás norte-americano na Europa quando em Espanha existem seis terminais de gás natural liquedefeito (GNL) em funcionamento?
Não, estamos a ser corretos.
Do ponto de vista da solidariedade ou da rentabilidade?
Da rentabilidade. A quantidade de gás da Rússia que a Alemanha e Itália passaram a consumir nos últimos trinta anos é muito grande. Estamos a falar de cerca de 200 bcm (mil milhões de metros cúbicos). Todos os terminais da Europa na sua produção máxima que é difícil de atingir nos 365 dias do ano, aproximam-se dos 100 bcm, ou seja, metade. A Europa importa 50 bcm nestes terminais, o que quer dizer que poderemos duplicar emPortugal e em todos os terminais Europeus. Portugal é uma parte muito importante deste puzzle: Sines tem águas profundas e é o terminal mais próximo dos Estados Unidos. Provavelmente poderemos usá-lo até para fazer cargas mais pequenas para terminais da Noruega e Finlândia, que não estão preparados para navios deste calado. É mais fácil ampliar Sines que fazer um terminal novo, noutro país.
Como é que a Europa lidará com o aumento das emissões se houver um batalhão de navios permanentemente a trazer GNL para os seus terminais?
Julgo que não fará assim tanta diferença. A quantidade de energia que é transportada, comparada com o volume de combustíveis utilizados no transporte, não é relevante. A alternativa seria a produção elétrica de carvão.
Qual é o custo do hidrogénio comparativamente ao gás natural?
Hoje o preço andará à volta de 90 euros por MWh (megawatt hora), mas estamos a falar de pequenos projetos, bastantes experimentais, em que os eletrolisadores ainda são produzidos em manufatura. Prevê-se que venham a ser produzidos em série e, nessa altura, teremos preços do hidrogénio que se aproximarão dos preços tradicionais do gás natural.
O preço tradicional são os 20 euros por MWh?
Espero que sim, que venha entre os 20 e os 25 euros por MWh, mais o CO2.
Quando é que vamos voltar a ter esses preços?
Quando houver mais oferta. Isso é uma estratégia deliberada da Rússia. Já em novembro de 2021, a Rússia entregou menos gás do que em novembro de 2020, na recessão. Toda a economia recuperou ao longo de 2021 e a Rússia fechou a torneira. Este preço é uma medida da Rússia para estrangular economicamente a europa e tentar vergá-la aos seus objetivos militares. Há uma estratégia da Rússia para receber muito dinheiro pelo gás. Acho que o verão vai ajudar bastante e espero que nessa altura se chegue à normalidade.
Incorporar gases renováveis no gás natural não faria subir muito os preços neste momento? As redes já estão preparadas?
As redes estão preparadas. Na rede de transporte está autorizada a injeção de até 5% de hidrogénio e na rede de distribuição, até 20%. Os investimentos necessários são mínimos. Há que olhar para o sistema como um todo. Hoje existe um imposto específico de carbono que todos os clientes portugueses pagam e que vai ter ao Fundo Ambiental. Este valor serve para fins ambientais, mas também foi sendo usado para baixar o défice tarifário da eletricidade. A realidade dos últimos anos é que o setor do gás ajudou no setor elétrico. Agora deveria existir maior justiça e maior equilíbrio. Este valor deveria ser transferido para o setor do gás, para ajudar os primeiros projetos de hidrogénio, que são os mais caros. No fundo, o imposto do carbono serviria para o próprio setor se descarbonizar, para que não fosse necessário nenhum aumento dos preços.
Toda a entrevista em: Jornal Público